sábado, 16 de julho de 2016

Preceitos importantes para uma dieta saudável


Elaine de Azevedo é graduada em nutrição pela UFPR, mestre em Agroecossistemas pela UFSC, doutora em Sociologia Política, também pela UFSC, e Pós-Doutora na Faculdade de Saúde Pública (USP). Além disso,  frequentou um curso de aperfeiçoamento em medicina antroposófica, que dá prioridade ao consumo de alimentos biodinâmicos, e realizou estágios em clínicas e hospitais antroposóficos na Alemanha, Áustria e Suíça.

Autora do livro Alimentos Orgânicos: ampliando os conceitos de saúde humana, ambiental e social (2012, Editora Senac), Elaine oferece uma perspectiva mais ampla para a significação de um alimento saudável. Ela expande este conceito para a cadeia produtiva, contemplando saúde física, econômica, ambiental e social. “Comer é um dos atos mais complexos que a gente faz cotidianamente”, afirma.

A fim de explicar sua posição a favor da produção e do consumo orgânico e agroecológico, reunimos uma série de dados e apontamentos da especialista sobre cultivo ecológico e sobre o outro modelo, aquele de alta toxicidade.


> O valor nutricional dos alimentos orgânicos em comparação aos alimentos convencionais

Elaine de Azevedo: Os orgânicos não têm maior valor nutricional que os convencionais; têm melhor valor nutricional, porque existe um equilíbrio na quantidade de nutrientes, esperada para cada cultura, já que os alimentos provêm de um solo altamente nutrido. Ou seja, os orgânicos e ecológicos não têm, por exemplo, maior teor de minerais, quem tem de menos são os convencionais. Por isso os especialistas receitam cada vez mais suplementos sintéticos. Os solos estão pobres; os alimentos produzidos neles também.

Também é comprovado por meio de estudos, que os alimentos orgânicos têm maior teor de fitoquímicos, substâncias como isoflavona, sulforaceno e licopeno, foco da nutrição funcional. Na planta, essas substâncias funcionam como um sistema de defesa. E isso acontece porque os vegetais orgânicos têm que desenvolver um sistema de defesa mais eficiente já que não recebem o agrotóxico que controla as doenças. No caso de alimentos de origem animal, os orgânicos têm gordura de melhor qualidade, porque os animais criados organicamente têm a possibilidade de caminhar, ciscar, se movimentar. Há várias pesquisas que demonstram que orgânicos de origem animal (carnes, leites, ovos) têm taxas iguais de ômegas 3 e 6, maior teor de ácidos graxos insaturados e menores teores de ácidos graxos saturados.

Façamos uma relação com o ser humano. “Quando comemos demais, não quer dizer que estejamos bem nutridos. Ao contrário. Pode surgir uma tendência à obesidade. E, se comemos pouco e mal, ficamos desnutridos. O ideal, então, é termos a qualidade e a quantidade de nutrientes adequada para a nossa espécie. Nas plantas é a mesma coisa. O solo deve fornecer o necessário, não o excesso. Um solo saudável, enriquecido com adubos orgânicos, é rico em muitos tipos de minerais. Os vegetais cultivados convencionalmente, à base de fertilizantes sintéticos – compostos unicamente de grandes quantidades de nitrogênio, fósforo e potássio de alta solubilidade, o adubo NPK –, acabam absorvendo grandes quantidades de nitrogênio do solo. Por isso, formam mais proteína, mas também mais nitrogênio livre, criando um desequilíbrio interno na planta. Esses vegetais que têm nitrogênio em excesso atraem mais pragas e por consequência tem-se que usar mais agrotóxicos para combatê-las. Ou seja, ter mais proteína não significa necessariamente ser um alimento mais saudável. Já a planta cultivada organicamente recebe e absorve somente os nutrientes de que precisa e tem um equilíbrio no valor nutritivo em geral. Não me refiro especificamente a carboidratos, lipídios e proteínas, que, tanto nos alimentos orgânicos quanto nos convencionais, são formados pela ação da luz solar, pela fotossíntese.

No entanto, vale lembrar que existem múltiplos aspectos de qualidade do alimento orgânico. O valor nutricional é um deles. Mas existem outros, como toxicidade, que é o principal diferencial, durabilidade e características sensoriais, como sabor, cor e textura. A comparação entre orgânicos e convencionais no aspecto nutricional é bastante difícil. O simples transporte do alimento, a quantidade de luz solar ou água que a planta recebe já mudam o valor nutricional, então é um campo que precisa ter muito controle para a realização de estudos comparativos. Mas de qualquer maneira não é sob esse enfoque que se pode dizer: ah, é aí que os orgânicos se destacam. Não é por aí. Focar o valor nutricional para definir o que é um alimento realmente saudável para nós e para o meio ambiente mostra-se bastante reducionista.


> O ponto de vista dos nutricionistas sobre os agrotóxicos e os transgênicos 

Elaine de Azevedo: De forma geral, os Conselhos Federal e Estaduais de Nutrição estimulam o consumo de orgânicos e são favoráveis a rotulagem e a pesquisa mais aprofundada dos transgênicos. Os nutricionistas da área de Saúde Pública estão mais conscientes da importância de controlar o consumo dos agrotóxicos e dos transgênicos devido às recentes discussões das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional e da Política Nacional de Alimentação Escolar, que promovem os alimentos orgânicos e ecológicos de origem familiar. Os nutricionistas funcionais também estão atentos a essa abordagem. A área clínica ainda me parece a mais distante dessa discussão, uma vez que os cursos de Nutrição nas universidades ainda carecem de professores capacitados para abordar esses conteúdos.



> Os riscos de ingerir diariamente resíduos de agrotóxicos, mesmo que na dose recomendada pela Anvisa

Elaine de Azevedo: Os efeitos dos agrotóxicos são cumulativos. Aliás, todo problema relacionado à alimentação tem esse efeito. Mas não há como comprovar, literalmente, se o câncer que determinada pessoa teve depois de 30 anos consumindo alimentos convencionais está relacionado ao agrotóxico. Há estudos que mostram a relação de vários tipos de câncer com alguns agrotóxicos e, mais recentemente, detectou-se a relação entre o Mal de Parkinson e agrotóxicos na França. Mas todas essas doenças são multicausais. Não é só o agrotóxico que causa o câncer. E é justamente a multicausalidade das doenças que torna extremamente difícil a gente dizer qual é a dose inócua para o organismo.

Essa falta de conclusões científicas dificulta barrar o uso dos agrotóxicos. O assunto é debatido dentro de um critério de risco e não de perigo. Explico: perigo a gente conhece a causa (com pesquisas provando, como o perigo do fumo); risco a gente não pode provar, como a relação direta entre câncer e os agrotóxicos.

Ainda assim, não dá para dizer: qual é a dose certa do veneno?  Veneno é veneno. Se você usar pouco, com certeza o efeito vai ser mais de longo prazo. É aquela história: se você fumar pouco, continua sendo maléfico, mas você vai ter o efeito a mais longo prazo do que se fumar muito. Se alguém bebe o agrotóxico, morre. Se usa um pouquinho ao longo da vida, poderá ter uma doença crônica, não aguda. Mas continua a ingerir veneno e as consequências disso vão aparecer um dia. Nesse sentido, a expressão “dose certa”, porque é a recomendada pelo fabricante e instituições, mostra-se totalmente inadequada, pois desconhece essa realidade.  Mas o cenário é ainda pior, porque não estamos ingerindo a quantidade certa. Estamos ingerindo mais, daí é ainda pior calcular riscos.


> Preço e a produção em grande escala dos orgânicos

Elaine de Azevedo: Na produção animal é complicado conseguir a produtividade que as granjas de porcos e galinhas e o confinamento de bovinos conseguem à custa do sofrimento animal e da qualidade das carnes, ovos e leites. Aí entraria outra discussão relacionada à necessidade de diminuir a ingestão de proteína animal para o ser humano contemporâneo. Já na produção vegetal, é possível equiparar a produtividade e há muitos estudos e casos sobre isso em revistas especializadas da Agroecologia e Agricultura Orgânica.

Com relação ao preço, este valor mais caro é algo relativo, já que os orgânicos efetivamente proporcionam maior benefício à saúde. Não só à saúde humana, mas também à saúde do meio ambiente, que, por tabela, também acaba refletindo na saúde humana. Então esse adicional de preço justo – que deve ser justo, e não 100% a mais, ou um preço especulativo – relaciona-se a um alimento de melhor qualidade. Todo e qualquer produto melhor custa mais. A lei do mercado está implícita no alimento também. O produto orgânico é mais caro porque tem melhor qualidade. Mas, repito, não pode ser um preço abusivo que torne o alimento elitizado. Como todo produto no mercado, o orgânico vai baratear se houver maior procura. Além disso, é preciso pensar de forma sustentável a médio e longo prazos. Pensando na sua saúde, o que você economiza no seu prato, gasta na farmácia e no hospital.


> O cenário dos orgânicos no Brasil versus o agronegócio

Elaine de Azevedo: Primeiro é bom enfatizar que essa dicotomia (agronegócio e agricultura orgânica) é muito frágil. O agronegócio não está preocupado em produzir os alimentos para o consumo dos brasileiros ou em promover segurança alimentar e nutricional, mas é uma dinâmica de caráter econômico que objetiva a concentração de capital pelas oligarquias transnacionais que predominam no setor. A agricultura orgânica – especialmente aquela vinculada a agricultura familiar – é quem assume essas preocupações, junto com a agricultura familiar “convencional”. O interesse nos orgânicos continua a crescer em todo o Brasil, a consciência do consumidor aumenta e cada vez mais a população busca esse tipo de alimentos em feiras e lojas especializadas, tendência que aparece em vários países do mundo.



> Dicas para uma dieta saudável 

Elaine de Azevedo: Comprem orgânicos, carnes frescas, ovos “caipira” e alimentos da época provenientes de agricultores da sua região. Preocupem-se com a origem dos seus alimentos, leiam rótulos, questionem a procedência do que vocês compram. E o mais importante: dediquem tempo para esse ato de prazer cotidiano que pode se tornar-se um ato político e socioambiental.

É importante destacar que não há maneira de eliminar os agrotóxicos dos alimentos. A grande maioria dos agrotóxicos é metabolizada até a semente. Então, o que você tira na higienização é o excesso, e não o agrotóxico metabolizado pela planta. E eu sou contra tirar a casca de um alimento – fonte de fibras e nutrientes – porque temos que diminuir o veneno. Tem que ser orgânico, tem que ser sem veneno.
Fontes: Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e Portal Orgânico.
Imagens: Brittany Wright

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